Não, meus amigos, o que nos transforma em seres humanos é
aceitar com naturalidade toda vez que você percebe uma situação de “me ferrei”.
É fácil dizer “dane-se”. Dane-se o governo, dane-se a política,
dane-se o problema dos outros, eu vou é cuidar de mim. Segue a esse raciocínio
toda uma ladainha egocêntrica, conclamando a autoestima, a lógica do “se eu não
fizer por mim ninguém vai fazer” e etc.
Embora o dane-se tenha uma função interessante em momentos em
que cismamos com coisas que não são mesmo da nossa conta, não é isso que faz de
você uma pessoa melhor, mais madura, um ser humano mais generoso.
O desafio é...
Como você reage quando é VOCÊ que se ferra?
eu, por exemplo, reajo muito mal em incontáveis momentos. É um
HORROR. Sou de uma prepotência ridícula. Vou dar um exemplo:
Ontem eu estava sem um real na carteira. E sem gnv no carro.
Parei num posto só porque tem um caixa eletrônico lá. Desci do carro enquanto o
frentista botava gnv fui na loja de conveniência tirar dinheiro. Cheguei lá
e...cadê caixa eletrônico? Tiraram. Removeram. Tinha, mas acabou, não tem mais.
Fiquei MUITO contrariada. Porque, né, como um caixa eletrônico
que EU, essa pessoa essencial pro universo, quero usar, não está mais lá?
Paguei com cartão de débito e vim trabalhar. Voltei pra casa
etc. Na manhã seguinte eu tinha que ir ao cartório. Fiz um caminho a pé para
passar por outro posto de gasolina, esse sim com vários caixas eletrônicos.
Cheguei no terminal do Banco do Brasil e... estava sendo
consertado. Demoraria ainda UMA hora. Bom, me ferrei de novo, pensei. Mas, né,
sou um gênio e sei que tem um caixa eletrônico 24h que atende TODOS os bancos,
ha! Fui até ele e... estava desligado.
Nesse instante eu percebi que eu realmente tinha me ferrado. Não
é pra comemorar, porque é muito chato mesmo, eu tinha que pagar em dinheiro no
cartório. Mas, né, a-con-te-ce, é normal. Com todo mundo, por que não comigo?
Sou tão especial assim?
Em vez de usar minha incrível competência para ligar um app do
banco e achar outro caixa eletrônico mais próximo o que eu fiz? Fiquei ali,
reclamando, indignada, falando “cás-párêde”, que eu precisava, que era um
absurdo e blá blá blá blá blá blá.
Ou seja, quando EU me ferro eu acho inaceitável. Inconcebível.
Onde já se viu, eu, a rainha do tricô tunisiano, a princesa da Lapônia, não
tendo meu desejo atendido!
Meu amigo, que estava comigo, ria muito de mim. Eu me ferrei, é
engraçado mesmo. E aí ele me contou de outras vezes em que agi assim. E contou
que se lembrava do dia que uma mulher bateu no meu carro e eu desci
esbravejando... e outra ocasião em que me deram o troco errado, não percebi e
reagi muito mal... Partiu meu coração. Quer dizer que meu melhor amigo só se
lembra de momentos ruins meus? Quer dizer que eu promovo momentos horríveis que
são marcantes pras pessoas? Quer dizer que eu sou assim?
Fiquei pensando muito nisso. Conversei em casa. E ainda estou
pensando nisso.
NO jeito que a gente reage quando é nossa vez de enfrentar uma
ou muitas contrariedades. É, fechou na sua vez. Acabou na sua vez. Você se deu
mal.
Não estamos preparados pra isso. Não aprendemos a errar, perder,
ir mal, fracassar. Lidamos mal com toda adversidade, crítica, falha.
Nossa e alheia.
Tudo pode dar errado, mas não com a gente.
Aqui estou, pensando em aprender a me ferrar. Ou melhor, a
aceitar que “shit happens” para todos. Com mais tranquilidade, sem rancor, sem
raiva. Apenas aceitar e... resolver de outro modo.
Por isso, repito, não é o “dane-se” que vai salvar você. É o
“a-ha-ha-ha-ha, me ferrei” que vai trazer a liberdade que acompanha o
inexorável fato de que somos finitos, mortais e 100% iguais aos olhos do
universo.
Beijos.
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