sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

De que lado estamos?


Quando eu tinha 16 anos ainda morava no grajaú. Meu pai faleceu e eu comecei a trabalhar. Eu acordava às 5 da manhã, pegava uma carona com minha vizinha até a tijuca para depois sair correndo atrás de um ônibus que dava a volta ao mundo até chegar no shopping Rio-Sul. A viagem era longa e o ônibus era lotado. Na volta, eu tinha que pegar uma carona na saída do shopping (outros tempos, não era tão inseguro como é hoje) para ir até o aterro do flamengo, de lá, pegar um ônibus para o centro da cidade onde eu descia e caminhava até o curso de inglês onde eu dava aula pra que a grana desse para sustentar minha mãe, minha irmã e minha avó. Lá pelas 11 e tanto da noite eu pegava mais um ônibus e voltava pra casa para, finalmente, jantar, tomar banho, estudar e dormir.

Tudo isso para dizer que a carona que eu pegava até o aterro do flamengo ou até qualquer lugar mais próximo era essencial pra mim. Eu realmente precisava daquelas caronas de desconhecidos. A saída do shopping ficava lotada de trabalhadores locais e era uma disputa acirrada quando um carro parava. Dúzias de caras entravam pela janela do passageiro pra saber onde o motorista estava indo.

E foi assim, de forma Darwiniana, que desenvolvi uma técnica de sobrevivência para pegar carona. Quando não tinha mais lugar e eu estava ao lado de uma pessoa em dúvida pra pegar ou não o carro, eu falava de forma bem apressada e intensa:

- E aí? Eu vou ou você fica?

Confusa, a pessoa dizia qualquer alternativa como ‘eu fico’ ou ‘você vai’, sem se dar conta que as duas possibilidades desaguavam no mesmo oceano: eu ia e o outro ficava.

Lembrei disso ao ler um artigo sobre o "Livro Negro da Psicanálise”. O artigo dizia que Freud é uma fraude e que ele roubava nos resultados científicos para fazer com que suas hipóteses sobrevivessem. Se ele foi um gênio, deve ter sido um gênio de marketing pessoal. A autora, Catherine Meyer formula a explicação com a mesma lógica intencional que eu usava quando disputava carona. Ou seja, como coloca a autora, Freud disputava uma moeda assim: "cara, eu ganho; coroa, você perde". E fiquei muito feliz ao descobrir que nossas atitudes nunca serão únicas. De uma forma ou de outra existe alguém que compartilha seu modo de agir ou de pensar.

Eu sou assim. Tenho meu jeito de ser, de pensar. E me sinto feliz e apoiada quando encontro eco nos outros. Ou os outros em mim. E, sim, eu sei que minhas alternativas iguais não eram exatamente um exemplo de ética, mas era a forma de sobrevivência que eu encontrava naquele momento. Não me orgulho disso, mas também não escondo para parecer perfeita.

A idade traz rugas e certezas. E ainda assim eu sou como eu sou. E já não tenho mais vergonha disso, nem me sinto obrigada a pedir desculpas.

Mas é aí que devemos refletir sobre você, eu, sobre todos nós, especialmente nessa onde de redes sociais onde nosso pensamento coletivo e o comportamento social delata o estado de alma em que estamos. Se um dia tivemos valores herdados pelos nossos avós, num mundo mais calmo que o atual, perdemos a maior parte deles. O respeito pelos mais velhos, dar lugar para mulheres grávidas no metrô, não trapacear, não falar mal dos colegas de trabalho, são apenas os exemplos mais corriqueiros de ensinamentos que se perderam nas confusas estruturas sociais e tornaram-se coisa de gente idiota...

Sendo assim, está na hora de parar e decidir o que realmente somos. Se pagamos o guarda na hora da blitz, se alteramos o imposto de renda, se não declaramos os bens que temos, se compramos drogas do traficante, se baixamos torrentz sem pagar, se frequentamos boites, shoppings e cinemas com instalações visivelmente irregulares (muitas vezes porque a lei é mesmo burra e o mercado injusto) sem LUTARMOS para que as coisas sejam certas. Caso contrário, temos que ter a decência de, pelo menos não apontar culpados que não são melhores nem piores do que nós.

Diante disso, você sempre tem que escolher o lado em que vai ficar. Mesmo que você mude lado ao longo da vida. Mesmo que você precise de ajuda para decidir o seu lado.

Só não dá é pra ficar do lado onde tantos tentam ficar, do lado de fora.




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