terça-feira, 24 de maio de 2011

Dá licença preu ser como sou?

Quando eu tinha 16 anos ainda morava no grajaú. Meu pai faleceu e eu comecei a trabalhar. Eu acordava às 5 da manhã, pegava uma carona com minha vizinha até a tijuca para depois sair correndo atrás de um ônibus que dava a volta ao mundo até chegar no shopping Rio-Sul. A viagem era longa e o ônibus era lotado. Na volta, eu tinha que pegar uma carona na saída do shopping (outros tempos, não era tão inseguro como é hoje) para ir até o aterro do flamengo, de lá, pegar um ônibus para o centro da cidade onde eu descia e caminhava até o curso de inglês onde eu dava aula pra que a grana desse para sustentar minha mãe, minha irmã e minha avó. Lá pelas 11 e tanto da noite eu pegava mais um ônibus e voltava pra casa para, finalmente, jantar, tomar banho, estudar e dormir. Pra acordar às 5 da manhã no dia seguinte.

Tudo isso para dizer que a carona que eu pegava até o aterro do flamengo ou até qualquer lugar mais próximo era essencial pra mim. Eu realmente precisava daquelas caronas de desconhecidos. A saída do shopping ficava lotada de trabalhadores locais e era uma disputa acirrada quando um carro parava. Dúzias de caras entravam pela janela do passageiro pra saber onde o motorista estava indo.

E foi assim, de forma Darwiniana, que desenvolvi uma técnica de sobrevivência para pegar carona. Quando não tinha mais lugar e eu estava ao lado de uma pessoa em dúvida pra pegar ou não o carro, eu falava de forma bem apressada e intensa:

- E aí? Eu vou ou você fica?


Confusa, a pessoa dizia qualquer alternativa como ‘eu fico’ ou ‘você vai’, sem se dar conta que as duas possibilidades desaguavam no mesmo oceano: eu ia e o outro ficava.
Lembrei disso hoje ao ler um artigo no caderno sabático, do Estadão, um artigo sobre o "Livro Negro da Psicanálise". Sempre achei Freud uma fraude e, ao que tudo indica, ele realmente roubava nos resultados científicos para fazer com que suas hipóteses sobrevivessem. Se ele foi um gênio, foi um gênio de marketing pessoal. A autora, Catherine Meyer, diz exatamente o que eu penso e formula a explicação com a mesma lógica intencional que eu usava quando disputava carona. Freud diz que tudo é fruto do 'inconsciente' e deixa a pessoa numa sinuca de bico pra tudo. Se você diz que não concorda com o conceito do Complexo de Édipo e cita como exemplo, diz a matéria, que você odeia sua mãe, ele diz que essa afirmação já é uma negação que prova que o Complexo de Édipo existe.
Ou seja, como coloca Catherine, Freud coloca a técnica da disputa pela moeda assim: "cara, eu ganho; coroa, você perde".


Fiquei muito feliz ao ler o artigo. Não me senti mais sozinha. E acho que é isso que a gente quer na vida, sentir que pode ser como é sem se sentir só por isso. Por mais que a gente mude de opinião, de convicções, por mais que a gente altere tudo, a cada período da sua existência você vai ter um conjunto de ideias e visões. E precisa encontrar pessoas que compartilhem essas visões com você. Os opositores, que surgem naturalmente, nos ajudam a lapidar essas visões. Os apoiadores, a levá-las adiante.


Eu sou assim. Tenho meu jeito de ser, de pensar. E me sinto feliz e apoiada quando encontro eco nos outros. Ou os outros em mim. Não gosto de intimidades excessivas, não gosto que fiquem vasculhando minha vida, não gosto de gente que pega muito no pé. Não gosto de gente grudenta. Gosto de gente gentil, gosto de gente leve, gosto de amizades sinceras, gosto de pessoas generosas. Admiro todas as pessoas que se esforçam na vida, desde as que não têm quase nada e lutam pra ter alguma coisa até as que têm muito e mesmo assim continuam trabalhando para serem produtivas. Não gosto de gente suja, preguiçosa, enganadora, trapaceira. E, sim, eu sei que minhas alternativas iguais não eram exatamente um exemplo de ética, mas era a forma de sobrevivência que encontrava naquele momento. Não me orgulho disso, mas também não escondo pra parecer perfeita. (Olha a Sandy confessando que faz muita 'bagunça' em sua gaveta de meias...)

A idade traz rugas e certezas.


Eu sou como eu sou. E já não tenho mais vergonha disso, nem me sinto obrigada a pedir desculpas pelo que sou.


É a partir do que eu sou, com tudo de bom e de ruim que isso acarreta, que vou seguir o caminho que quero pra mim, aquele que nos leva à consciência tranquila de quem tenta ser uma boa pessoa.


Ser um bom ser humano, eis uma meta bonita pra seguir.


Bom dia.
 
(inspirado num artigo da R. Herman)

Nenhum comentário:

Postar um comentário